Previdência em Reforma: a Reforma da Previdência já começou e você nem percebeu. O que mudou com a Medida Provisória 871?

Muito tem se falado na mídia sobre a Reforma da Previdência, encaminhada à Câmara dos Deputados por meio da Proposta de Emenda Constitucional 6/2019. Até aí, nenhuma novidade. O que talvez você nem tenha percebido é que a previdência já está em reforma. Aliás, já há novidades em vigor na reforma da previdência social desde o dia 18 de janeiro de 2019.

O primeiro fragmento da Reforma da Previdência tem nome e sobrenome: Medida Provisória 871. Reforçamos que ela já faz parte da reforma da previdência, uma vez que foi incluída no site criado pelo Governo Federal para fornecer informações sobre a intitulada “Nova Previdência” (http://www.brasil.gov.br/novaprevidencia/entendaaproposta/integra-da-proposta).

Vamos destrinchar alguns dos seus pontos mais importantes, revelando o que muda na prática a partir da sua edição. Por questões óbvias, primaremos pela objetividade, a fim de dar uma visão geral sobre as questões, ao nosso ver, mais caras ao Direito Previdenciário na prática.


1) ÚNICO BEM DE FAMÍLIA PODERÁ SER PENHORADO NO CASO DE SE CONSTATAR FRAUDE NO RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO.

A pequenina Lei 8.009/90 trata dos casos de impenhorabilidade do bem de família. Mais importante que isso, trata das suas exceções.

A MP 871 incluiu o inciso VIII ao artigo 2o, asseverando que poderá ser penhorado o imóvel (a casa/moradia) “para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recurso”.

Observamos aqui relevante mudança, com alto potencial para judicialização de causas, na medida em que toda pessoa que for flagrada recebendo um LOAS, uma pensão por morte, um auxílio-doença, uma aposentadoria ou qualquer outro benefício previdenciario por dolo, fraude ou coação poderá perder até mesmo o seu único imóvel residencial.


2) A NOVA PENSÃO POR MORTE PARA SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS.

O art. 215 da Lei 8.112/90 trazia em seu bojo a redação legal no sentido de que, por morte do servidor, os dependentes fariam jus à pensão por morte a partir do óbito.

A nova redação inserida pela MP 871 excluiu do texto da expressão “a partir do óbito”. Tal modificação sensível faz sentido ao lermos o art. 219, também modificado, que assim passou a se revelar:

“Art. 219. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I – do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes;

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso I; ou

III – da decisão judicial, na hipótese de morte presumida.

§ 1º A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente e a habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a partir da data da publicação da portaria de concessão da pensão ao dependente habilitado.

§ 2º Ajuizada a ação judicial para reconhecimento da condição de dependente, este poderá requerer a sua habilitação provisória ao benefício de pensão por morte, exclusivamente para fins de rateio dos valores com outros dependentes, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhecer a qualidade de dependente do autor da ação.

§ 3º Julgada improcedente a ação prevista no § 2º, o valor retido será corrigido pelos índices legais de reajustamento e será pago de forma proporcional aos demais dependentes, de acordo com as suas cotas e o tempo de duração de seus benefícios.” (NR)

Nesse ponto, houve clara atualização da lei aplicável aos servidores públicos federais, assemelhando o regime próprio ao regime geral nas regras pertinentes às pensões por morte.


3) MODIFICAÇÕES QUE ATINGEM AS PENSÕES POR MORTE DO REGIME GERAL.

No tema pensão por morte do regime geral, houve substanciais mudanças na Lei de Regência (Lei 8.213/91).

A primeira delas, no inciso I do art. 74, que aboliu a imprescritibilidade dos valores devidos aos dependentes menores de 16 anos de idade. Com efeito, mesmo o dependente menor de 16 anos de idade terá até 180 dias para encaminhar seu pedido de pensão por morte, a fim de que o termo inicial do benefício seja a data do óbito. Caso contrário, acabará percebendo o benefício a partir da data de requerimento.

Importante deixar claro que o instituto da prescrição não se confunde com a decadência, não sendo verdadeira a informação veiculada no sentido de que o menor perderá o direito à concessão do benefício. O reflexo, no caso, é puramente financeiro, porquanto há perdas de prestações em razão da demora no encaminhamento do pedido.

A segunda modificação é uma novidade sem precedentes. Criou-se uma espécie de consignação judicial do benefício no caso de habilitação de dependente em conflito com outro.

Segue colacionado o dispositivo:

“§ 3º Ajuizada a ação judicial para reconhecimento da condição de dependente, este poderá requerer a sua habilitação provisória ao benefício de pensão por morte, exclusivamente para fins de rateio dos valores com outros dependentes, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhecer a qualidade de dependente do autor da ação. (Vigência)

§ 4º Julgada improcedente a ação prevista no § 3º, o valor retido, corrigido pelos índices legais de reajustamento, será pago de forma proporcional aos demais dependentes, de acordo com as suas cotas e o tempo de duração de seus benefícios.”

Ressalta-se que, devido à profundidade da mudança, que impacta o direito processual, há um período de vacatio legis, ou seja, o dispositivo só entrará em vigor 120 dias a contar da publicação, ocorrida em 18/01/19.


4) VEDAÇÃO À INSCRIÇÃO POST MORTEM.

A minirreforma da previdência editada pela MP 871 trouxe questão há muito tempo debatida nos Tribunais.

Não raras vezes, após a morte do segurado, a família descobre que houve sua omissão ao recolher contribuições em vida e, mais do que isso, de inscrever-se como contribuinte individual ou facultativo. Por isso, a pensão por morte acaba sendo indeferida por falta de qualidade de segurado, mesmo que ele tivesse, de fato, trabalhado como contribuinte individual.

A alteração legal veda a possibilidade de inscrição posterior à morte do segurado contribuinte individual ou facultativo, o que impacta sobremaneira em diversas contendas judiciais que buscam esse reconhecimento após o óbito do suposto segurado.


5) ENDURECIMENTO NAS REGRAS DO AUXÍLIO-RECLUSÃO.

Foi no benefício direcionado às famílias dos presos a maior mudança promovida pela minirreforma da previdência.

O auxílio-reclusão, que antes não exigia carência para a sua concessão, agora exige 24 contribuições mensais: o maior número exigido em todo o sistema, ressalvado o caso óbvio das aposentadorias. Assim, o preso deverá ter trabalhado ou contribuído como facultativo por pelo menos dois anos para ter direito ao benefício.

E se o segurado possuir diversas contribuições anteriores, mas perder a qualidade de segurado, bastará trabalhar por 12 meses (metade do tempo necessário de carência) para recuperar as contribuições anteriores? Não mais!

É que o art. 27-A também foi modificado, acabando com a possibilidade de aproveitamento das contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado. Vale lembrar que esta modificação também atinge os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade.

Outra grande modificação reside no regime prisional a que está submetido o segurado: agora, apenas o regime fechado permite a concessão do benefício.

Idêntica forma, o conceito de segurado de baixa renda foi atingido pela mudança da metodologia de aferição. Antes, examinava-se apenas pelo último salário-de-contribuição do preso. Agora, pela média dos últimos 12 meses.

E, para finalizar, há previsões sobre o recolhimento à prisão do segurado que impactam diretamente sobre o beneficiário de auxílio-doença, conforme seguem dispositivos:

§ 3º O segurado em gozo de auxílio-doença na data do recolhimento à prisão terá o benefício suspenso.

§ 4º A suspensão prevista no § 3º será de até sessenta dias, contados da data do recolhimento à prisão, cessado o benefício após o referido prazo.

§ 5º Na hipótese de o segurado ser colocado em liberdade antes do prazo previsto no § 4º, o benefício será restabelecido a partir da data da soltura.”


6) DECADÊNCIA NO SALÁRIO-MATERNIDADE.

Impactante a mudança legal que inseriu o art. 71-D à Lei de Benefícios.

Sua redação diz que o direito ao salário-maternidade decairá se não for requerido em até cento e oitenta dias da ocorrência do parto ou da adoção, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”.

Veja-se que, ao contrário da previsão acima descrita, com relação à prescrição nos pedidos de pensão por morte para dependentes menores de 16 anos de idade, nesse caso está a se tratar da decadência, que fulmina o direito.

Cremos, humildemente, que esta previsão terá muita resistência, uma vez que há posição jurisprudencial bastante firme no sentido de que atos de concessão de benefício não decaem nunca. Vamos aguardar para ver a recepção do dispositivo que limita a concessão.


7) TARIFAMENTO DE PROVAS.

Reza o Art. 55. § 3º: “A comprovação do tempo de serviço para fins do disposto nesta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no Regulamento”.

A toda evidência, trata-se de medida de tarifamento de provas, o que historicamente possui pouca aplicabilidade na prática forense.

Em que pese a previsão indicando qual a prova específica que poderia ser aceita, pensamos que não haverá trânsito a aplicação fria do dispositivo em comento, especialmente diante do histórico de diversas tentativas legais no mesmo sentido, todas frustradas.


8) DEMAIS MUDANÇAS.

A minirreforma da previdência trouxe algumas medidas de ataque às fraudes na concessão de benefícios, com a instituição de operação “pente-fino”, incluída previsão de pagamento de gratificações para servidores que realizam perícias.

Houve mudanças na emissão de CTCs, bem como modificações nos processos administrativos e de reposição de valores pagos a maior ou indevidamente aos cofres públicos.


CONCLUSÃO:

Como se observa, foram muitas as mudanças, que impactarão certamente no trabalho desempenhado pelo Poder Judiciário.

A Medida Provisória em comento, editada pelo Poder Executivo, ainda passará pelo crivo do Poder Legislativo, que já se encontra discutindo a reforma maior, introduzida pela PEC.

É bem verdade que muita água passará por debaixo da ponte, mas é importante ter em mente que a atualização do profissional que atua em processos previdenciários será fundamental.

Fatalmente, todas essas modificações serão temas de discussões sobre direito temporal e da sua aplicabilidade, o que exigirá constante atualização.

Fonte: https://vitordutrasl.jusbrasil.com.br/artigos/679880093/previdencia-em-reforma-a-reforma-da-previdencia-ja-comecou-e-voce-nem-percebeu-o-que-mudou-com-a-medida-provisoria-871